quarta-feira, novembro 26, 2014

Ser negra

Momento desabafo.

Porque eu sinto que preciso desabafar. Não sei se outras garotas que passaram por esse processo de afirmação da etnia passaram pelo que passei. Até hoje nunca li a respeito nessas minhas buscas por informações sobre a fase de transição, nessa fase de assumir o cabelo natural. A troca de informações é sempre em relação a produtos, acessórios, técnicas... mas, e a parte social?

Um blog que tem mostrado essa consciência é o Meninas Black Power, com muitos questionamentos sobre toda a questão social que envolve ser negro. Quem é negro sabe que muitas vezes não é fácil. Fomos e continuaremos sendo boicotados em diversos aspectos. E quando começamos a conquistar ou reivindicar o nosso espaço, incomodamos. É e será assim em relação às políticas de cotas; é e será assim em relação ao mercado de trabalho, é  e será assim em relação à padrões estéticos. 

Agora que estou com o cabelo completamente crespo, parece que de fato me tornei negra. Parece loucura e idiotice chegar a essa conclusão, já que ser negro é uma coisa meio óbvia. Quem olhar pra mim verá que sou negra. Mas a diferença está em ser uma negra tentando negar a sua identidade, ou ser uma negra com o "kit completo". 

Do que estou falando, afinal?

Bom... um exemplo que posso usar é como se olha para a Beyoncé e para a irmã dela, Solange. As duas são negras, mas quem causa mais impacto? Arriscaria dizer: quem é mais negra?

Loucura, né? Sei que estou viajando... mas tudo isso é pra chegar a um ponto.

Antes do BC, não havia problema nenhum me chamar de "nega". Esse é um tratamento carinhoso que se tem hoje em dia entre brancos, negros, ruivos, amarelos... Mas agora que sou uma "negra com kit completo", parece que me chamar de "nega" se torna um insulto! 

Isso aconteceu com um amigo, que sempre me tratou assim. Após o big chop, a forma de tratamento mudou... passei a ser apenas "Aline". Às vezes, ele tentava soltar um "nega" pra mim, mas logo hesitava. E isso me irritava profundamente, principalmente por ele sempre ter levantado a bandeira de que admirava os negros, que achava linda as negras com seus crespos, black power...  (de tanto ouvir discursos assim eu fico com um pé atrás de pessoas que falam isso). O fim da história é que nesse pouco tempo ele foi se afastando de mim até que a nossa amizade acabou por completo. Se foi  este exatamente o motivo eu não sei, mas sinto que isso contribuiu bastante.

Outras atitudes das pessoas que me incomodaram: por eu ter assumido o meu crespo e por estar feliz, radiante, com a auto estima lá em cima, eu me tornei uma negra metida. Porque negro com vaidade é metido. Negro não pode ter vaidade e autoestima elevada. Negro tem que ficar escondido, no seu cantinho, sem chamar a atenção. 

Já tinha visto isso acontecendo com outras pessoas, de ouvir comentários do tipo: "Nossa, ela se acha. Se ainda fosse loira, dos olhos claros, tudo bem!" Senti isso na pele dentro da minha própria casa! Eu tive uma criação antiga, onde os meus pais foram ensinados que o negro tem que se acostumar com o que for oferecido e não buscar melhorias. Mas, se eu consegui evoluir um pouco o pensamento, por que outras pessoas dentro de casa não?

Esse é o outro lado da moeda em se fazer a transição. É claro que os prós são infinitamente maiores que os contras. E isso não me fará voltar atrás.