quarta-feira, fevereiro 21, 2018

Como o preconceito pode acabar com o nosso dia


Nesta semana, me aconteceu um fato curioso. Não foi a primeira e infelizmente não será a última vez que isso aconteceu, mas pela primeira vez eu parei para pensar racionalmente sobre isso.

Na última quarta, eu tive um dia perfeito.

Depois de dias de calor insuportável, o tempo deu uma amenizada e voltou a se parecer com São Paulo: cinzento, nem muito quente e nem muito frio, com leves brisas que te fazem sorrir ao tocarem o seu rosto (pelo menos, é o que acontece comigo).

Mesmo estando de folga do trabalho, eu acordei cedo e sem sono. Passei um café que, milagrosamente, ficou perfeito e comi a minha bisnaguinha favorita de cenoura e mandioquinha.

Fechei a matrícula em um curso importantíssimo e o cartão de crédito não foi recusado. 

Fiz uma lista de tarefas, a qual segui a risca. 

Estava radiante por tudo estar dando certo. Estava tendo um dia bom. Tão bom, que eu merecia um agradinho... 

Passei por uma  famosa loja de roupas e resolvi entrar para dar uma olhada. Quem sabe eu não encontraria alguma peça incrível na remarcação?

Na seção de moda casual, nada que despertasse o meu interesse. Quem sabe na seção de roupas sociais eu pudesse encontrar algo legal para usar no trabalho? No caminho, lá estavam os sapatos. Apesar de já ter a minha loja de sapatos favorita, resolvi dar uma olhada pois precisava de uma sapatilha nova e novamente o meu sensor "pechincha" disparou.

Entre os corredores, percebi que uma das funcionárias da loja estava me seguindo. Na verdade, ela me observava meio de longe, como quem não quer nada. Não dei muita bola, pois aquele era o tipo de loja que felizmente as vendedoras não ficam no seu pé te oferecendo items.

Inevitavelmente,  os nossos caminhos se cruzaram e a primeira coisa que a funcionária fez foi olhar para as minhas mãos e para a minha bolsa a tiracolo, com olhos bem preocupados. Ao não encontrar o que esperava, ela olhou para mim, rasgou um sorriso falso e perguntou se eu precisava de ajuda. No meio de tantas pessoas naquela loja, ela resolveu naquele momento me seguir para oferecer ajuda. Tem coisas que não são possíveis de serem explicadas. É como aquele bordão da internet: "não sei o que falar, apenas sentir".

Ajuda recusada, ela some no meio dos corredores, semblante tenso. Afinal, ela queria me pegar, mas foi pega.

Volto para a seção de roupas, exatamente para a arara com a placa de "últimas oportunidades". Não estava circulando, não estava perdida. Esatava ali, paradinha, apenas os dedos deslizando os cabides, tirando da arara uma ou outra roupa para melhor visualização e devolvendo a peça. Nada me interessou. Eu mal me movi para me direcionar a outra arara quando outra funcionária, me aborda com um largo sorriso e pergunta se eu queria ajuda. Devolvo o meu sorriso WTF (what the fuck) e recuso. Para disfarçar, ela pergunta se eu já tenho o cartão da loja. Desta vez, dou-lhe um sorriso VTC (vai tomar no cu) e digo que já tenho. Ela vai embora, sem graça.

Nesse momento, já me sinto pior do que o cavalo do bandido. Reparo nos outros clientes da loja: mulheres com bolsas enormes, amigas, mochilas estrategicamente posicionadas na frente do corpo... mas eu era a única cliente de pele escura, cabelo crespo, bolsa tiracolor, potencial assaltante. E no período que fiz essa rápida análise, outro funcionário me acompanhava, fingindo arrumar as araras próximas a mim.

Sai da loja me sentindo culpada por algo que não fiz. Constrangida, humilhada, me sentindo menos gente. Meu dia perfeito acabava ali. Já não era mais um dia perfeito. Apagaram o meu brilho, a minha good vibe. Voltei pra casa triste. Por não conseguir parar de pensar nisso, peguei no sono tarde, mas antes, chorei no travesseiro perguntando a Deus o que tinha de errado comigo. Eu estava mal vestida? Agi como suspeita? O que eu fiz de errado?

A resposta é que errei por ser uma negra agindo como consumidora. Como ouso?! Moro no Brasil, país dos estereótipos. Onde mulheres negras são boas de cama e sabem sambar. Onde você tem que escolher entre baixar a calcinha ou entregar a carteira ao ver um homem negro. Onde um menino negro para de pedir esmolas para assistir a queima de fogos no Réveillon de Copacabana. Onde meus colegas de trabalho duvidam por eu ter duas faculdades e morado no exterior.

Até quando essas questões continuarão acabando com os nossos dias e sendo chamadas de mimimi pela branquitude?

Espero que logo.