Eu acompanho muitos sites, páginas e grupos no Facebook sobre militância afro e cabelo crespo. O fato é que ao se falar de cabelo crespo torna-se difícil não haver certa militância. Porque todas nós, crespas, sabemos como assumir um cabelo considerado "ruim", "de bombril", "feio", "desleixado"(entre outros tantos adjetivos que permeiam a nossa cultura racista) é um ato de rebeldia.
Para muitas de nós, assumir o cabelo natural foi motivado por um fator estético no começo, mas com o tempo percebemos o peso político que ele tem. Estamos batendo de frente com o padrão eurocêntrico que existe em nossa sociedade racista.
Sim, nossa sociedade brasileira é ainda muito racista. É o tipo de sociedade que tenta de toda forma apagar as marcas de luta do povo negro. Podemos ver isso em discursos como "o sistema de cotas é a afirmação do próprio racismo", "se tem feriado para a consciência negra deveria ter para as outras raças", "negro vê racismo em tudo", etc (os próprios negros repetem isso). Ou a nossa atitude ao celebrar a representatividade quando não deveríamos nos surpreender ao ver negros bem sucedidos e ocupando espaço na mídia.
Um dia desses, vi uma postagem de uma colega no Facebook indignada com um artigo de uma blogueira negra criticando os brancos que se apropriam da cultura afro usando turbantes como ícones de moda. Ela é estilista e achava ridículo o argumento de que só negros poderiam usar turbantes. Afinal, turbantes são usados por diversos povos, não só pelos povos africanos.
Ok, ela está certa em certo ponto. Povos do Oriente Médio e da Índia usam turbantes. Não povos brancos. Porém, assim como os ignorantes que não compreendem o porquê de o sistema de cotas ser importante para nós, ela não sabe porque hoje, no ano de 2015, com os avanços tecnológicos, nós, negros, voltamos a usar turbantes fora dos terreiros, fora das senzalas.
Deixa eu contar uma historinha que diz muito sobre o atual mimimi branco:
No final do século XVIII, os turbantes foram usados para tentar repreender mulheres de ascendência africana livres no estado de Louisiana, Estados Unidos. Naquela época a beleza, a maneira como elas arrumavam os cabelos naturais, a vestimenta e os bons modos que tinham atraíam bastante a atenção masculina e despertavam cada vez mais o ciúme das mulheres brancas.
Como forma de “restabelecer a ordem”, o governador criou uma série de normas conhecidas como “Leis Tignon” por ter como principal determinação que mulheres afrodescendentes, livres ou não, passassem a usar o tignon (um tipo de turbante) para cobrir os cabelos. O que era para ser uma tentativa de fazer distinção de classes e desonra-las teve p efeito contrário: os turbantes viraram itens de beleza graças à criatividade e imaginação destas mulheres.
Eis que a história se repete aqui. Nos livramos da ditadura da chapinha e redescobrimos a beleza e a força dos nossos cabelos afro e dos turbantes. É revolucionário aceitar algo que na nossa cultura sempre foi considerado "inapropriado" ao ponto de fazer com que os próprios negros sentissem vergonha. Nós não fomos os únicos a ver beleza na africanidade.
Cabelo crespo, turbantes, estampas e acessórios étnicos são tão lindos e legais que a indústria branca quis transformar em "moda" pois, sendo moda, qualquer um pode usar. E como toda moda, um dia deixa de ser cool para ser brega. Isso é uma forma de banalizar a nossa conquista.
Essa imagem que achei no facebook pode resumir o que eu quero dizer. Enquanto os brancos acharem que podem usar turbante sem entender o significado que ele tem para a nossa identidade, para as nossas raízes, ele estará apenas usando um lenço amarrado na cabeça. A modinha vai passar para vocês. Nossa resistência permanecerá.