segunda-feira, agosto 10, 2015

Sobre turbantes e apropriação cultural

Eu acompanho muitos sites, páginas e grupos no Facebook sobre militância afro e cabelo crespo. O fato é que ao se falar de cabelo crespo torna-se difícil não haver certa militância. Porque todas nós, crespas, sabemos como assumir um cabelo considerado "ruim", "de bombril", "feio", "desleixado"(entre outros tantos adjetivos que permeiam a nossa cultura racista) é um ato de rebeldia. 

Para muitas de nós, assumir o cabelo natural foi motivado por um fator estético no começo, mas com o tempo percebemos o peso político que ele tem. Estamos batendo de frente com o padrão eurocêntrico que existe em nossa sociedade racista.

Sim, nossa sociedade brasileira é ainda muito racista. É o tipo de sociedade que tenta de toda forma apagar as marcas de luta do povo negro. Podemos ver isso em discursos como "o sistema de cotas é a afirmação do próprio racismo", "se tem feriado para a consciência negra deveria ter para as outras raças", "negro vê racismo em tudo", etc (os próprios negros repetem isso). Ou a nossa atitude ao celebrar a representatividade quando não deveríamos nos surpreender ao ver negros bem sucedidos e ocupando espaço na mídia. 

Um dia desses, vi uma postagem de uma colega no Facebook indignada com um artigo de uma blogueira negra criticando os brancos que se apropriam da cultura afro usando turbantes como ícones de moda. Ela é estilista e achava ridículo o argumento de que só negros poderiam usar turbantes. Afinal, turbantes são usados por diversos povos, não só pelos povos africanos.

Ok, ela está certa em certo ponto. Povos do Oriente Médio e da Índia usam turbantes. Não povos brancos. Porém, assim como os ignorantes que não compreendem o porquê de o sistema de cotas ser importante para nós, ela não sabe porque hoje, no ano de 2015, com os avanços tecnológicos, nós, negros, voltamos a usar turbantes fora dos terreiros, fora das senzalas.

Deixa eu contar uma historinha que diz muito sobre o atual mimimi branco:

No final do século XVIII, os turbantes foram usados para tentar repreender mulheres de ascendência africana livres no estado de Louisiana, Estados Unidos. Naquela época a beleza, a maneira como elas arrumavam os cabelos naturais, a vestimenta e os bons modos que tinham atraíam bastante a atenção masculina e despertavam cada vez mais o ciúme das mulheres brancas. 

Como forma de “restabelecer a ordem”, o governador criou uma série de normas conhecidas como “Leis Tignon” por ter como principal determinação que mulheres afrodescendentes, livres ou não, passassem a usar o tignon (um tipo de turbante) para cobrir os cabelos. O que era para ser uma tentativa de fazer distinção de classes e desonra-las teve p efeito contrário: os turbantes viraram itens de beleza graças à criatividade e imaginação destas mulheres.

Eis que a história se repete aqui. Nos livramos da ditadura da chapinha e redescobrimos a beleza e a força dos nossos cabelos afro e dos turbantes. É revolucionário aceitar algo que na nossa cultura sempre foi considerado "inapropriado" ao ponto de fazer com que os próprios negros sentissem vergonha. Nós não fomos os únicos a ver beleza na africanidade. 

Cabelo crespo, turbantes, estampas e acessórios étnicos são tão lindos e legais que a indústria branca quis transformar em "moda" pois, sendo moda, qualquer um pode usar. E como toda moda, um dia deixa de ser cool para ser brega. Isso é uma forma de banalizar a nossa conquista. 

Essa imagem que achei no facebook pode resumir o que eu quero dizer. Enquanto os brancos acharem que podem usar turbante sem entender o significado que ele tem para a nossa identidade, para as nossas raízes, ele estará apenas usando um lenço amarrado na cabeça. A modinha vai passar para vocês. Nossa resistência permanecerá. 
 









13 comentários:

  1. Ótimo texto informativo e esclarecedor, espero que todos possam ler e entender o significado do turbante...parabéns pelo blog e pela iniciativa abordar um assunto com tanta profundidade.

    ResponderExcluir
  2. Excelente texto, concordo com tudo.

    ResponderExcluir
  3. Excelente texto, concordo com tudo.

    ResponderExcluir
  4. Excelente texto, concordo com tudo.

    ResponderExcluir
  5. kkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkk... Quando os "oprimidos" não conseguem produzir filosofia de qualidade, "apropriação cultural" é levado a sério. Fujam das universidades, teatros e tirem nossas calças jeans... hahahahahahahahah

    ResponderExcluir
  6. Quando pessoas com sérias dificuldades intelectuais, a zombaria é a melhor fuga para tentar disfarçar a deficiência. neste caso, nem ser engraçado conseguiu...

    ResponderExcluir
  7. Essa discussão não pode ser levada a sério. Vocês estão, talvez sem perceber, fomentando uma absurda guerra de culturas. O conceito de apropriação cultural é risível. Não existe ideologia que se justifique no tolhimento da liberdade individual das pessoas. Esse é um valor muito caro para a humanidade. Sangue de todas as raças foram derramados pra gente tê-la hoje. Não obterão compaixão com uma militância que avança esse espaço.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Pirmeiramente, pensar em apropriação cultural não diz respeito a liberdade individual das pessoas, mas sim tem a ver com um SISTEMA, de uma SOCIEDADE que faz com que seus indivíduos ajam assim. Por isso a apropriação cultural não pode ser considerada como uma ideologia de tolhimento da liberdade de cada um. Essa discussão pode e PRECISA ser levada a sério, pois ainda existe muita ignorância sobre o assunto pela maioria das pessoas.Estão achando que essa discussão é para arrancar turbantes da cabeça das brancas quando não é! O sangue de todas as raças foi derramado, mas o sangue de qual raça foi mais derramado e ainda é até hoje? Uma simples pesquisa no google (e um pouco de boa vontade de se aprofundar no assunto e pensar fora da caixinha dos interesses pessoais) ajuda a entender o quanto esse assunto é sério e não um simples drama. Porém, mais fácil é tentar deslegitimar a nossa militância ou negar o que está óbvio.

      Excluir
    2. Vocês têm muita dificuldade em aceitar o fato de que muita gente instruída até se esforça pra entender a questão, muitas vezes indo além de uma simples pesquisa do Google, e a tese proposta, mesmo após muito escrutínio, continua absurda. Ninguém com senso de humanidade rechaça a "causa negra" - o argumento central da defesa da ideia ridícula da apropriação cultural. O que o povo enxerga, no caso em tela, é a criação de um conflito perigoso em uma situação que se trata, no máximo, de uma questão de educação das pessoas. É algo que não dá pra se exigir. E as formas escolhidas pela "militância" para propagar tal boa educação são abordar as pessoas na rua - que vivem, muitas vezes, seu próprio calvário diário -, por vezes de forma agressiva, por causa de uma vestimenta ou de uma trança de cabelo. Me desculpem, mas forçar a discussão dessa forma é defender que essa atitude - que é sim invasiva à liberdade individual é correta é justificável pela ofensividade da tal apropriação, e não é. A consequência: o surgimento de pessoas tão interessadas em defender a liberdade ofendida quanto vocês em defender a ideologia em questão. E isso vai criar um problema maior do que o que vocês acham que estão tentando resolver.

      Excluir
    3. Farsante, a apropriação cultural não foi inventada pelos negros. Porém esse tema sempre vem à tona pois somos os primeiros a nos apontar a sua existência quando a branquitude usurpa e distorce os nossos símbolos de resistência e se apropriam deles para o bem próprio (como aconteceu com o jazz, com o samba, o rap, etc...). Não temos dificuldade em entender que essa questão pode ser incompreendida até pelas pessoas mais instruídas, mas esse é um assunto muito complexo de fato e que precisa ser discutido sempre, e não negado. Mas, para ficar simples, basta trocar o tipo de apropriação (ou de cultura). O que você acharia de um não-judeu usando um quipá? Ou um muçulmano vendo uma mulher utilizando turbante e saia curta? Com certeza eles não iriam gostar, principalmente por questões religiosas. Mas, independente desses símbolos serem religiosos ou não, eles possuem um significado para aquele grupo e eles não querem vê-los sendo usados erroneamente. No caso do turbante, as pessoas estão se valendo de um episódio isolado (não, nós negros NÃO proibimos brancos de usar turbantes e nem saímos à caça dos brancos de turbante para arrancá-los de suas cabeças) para deslegitimar toda uma militância e reconstrução da autoestima negra. Nós tiramos os turbantes dos terreiros e o levamos para as ruas. A branquitude achou que isso era moda. A sociedade chama a branca de turbante de "estilosa, maravilhosa, moderna" e chama a preta de turbante de "macumbeira". Qual a diferença do turbante na cabeça de uma branca para o turbante na cabeça de uma negra? Quem faz mais sucesso: um rapper branco ou um rapper negro? A diferença está no racismo. Você acredita que racismo? Aliás, VOCÊ é negro? Ao entender o nosso racismo institucional, ficará mais fácil entender o que queremos discutir com apropriação cultural. E, só pra finalizar, cada um faz o que quiser da sua vida, usa turbante se quiser. Temos coisas mais importantes para fazer (como, por exemplo, nos libertarmos da estigmas que nos marcam até hoje) do que ficar proibindo as pessoas de fazerem o que querem.

      Excluir
    4. Se tiver interesse, assista as dois vídeos dessa postagem http://crespimsim.blogspot.com.br/2017/02/um-pouco-mais-sobre-apropriacao-cultural.html

      Excluir